Chesterton se sentava e escrevia sobre grandes aventuras enquanto Belloc só escrevia sobre elas depois de ter vivido a aventura. Hilaire Belloc se destaca não só por sua prolífica produção literária, mas também por suas inúmeras façanhas na terra e no mar. As vibrantes aventuras de Belloc, revelam como suas experiências moldaram suas obras e perpetuaram seu legado como um dos escritores mais aventureiros de sua época.
Julian Kwasniewski, Crisis Magazine | Tradução: Equipe Instituto Newman
A Aventura e as Letras
Os melhores escritores geralmente são aqueles que não são apenas escritores: eles também são aventureiros. Dois de meus autores favoritos nessa categoria são Hilaire Belloc e Antoine de Saint-Exupéry. Hoje, vou me aprofundar nas façanhas do primeiro em terra e no mar.
Ao contrário de seu amigo um pouco mais famoso, G.K. Chesterton, o inimitável Belloc era um homem muito mais ativo. Chesterton se sentava e escrevia sobre grandes aventuras; Belloc só escrevia sobre elas depois de ter se levantado e vivido a aventura.
As Viagens de Belloc
Um exemplo disso é a viagem de Belloc pelos Estados Unidos em busca de sua futura esposa. Com apenas 20 anos, ele vendeu quase todos os seus bens para comprar uma passagem de navio a vapor. Em seguida, alternando caminhadas e viagens de trens percorreu todo o caminho desde a Filadélfia até São Francisco. De tal forma que ele recitava poesias e fazia esboços dos ranchos em que se hospedava para pagar suas passagens e hospedagem.
O Romance com Elodie Hogan
Apesar de tudo isso, seu amor — Elodie Hogan — recusou-o e (em grande parte devido à pressão da mãe) tentou a vocação em um convento. Isso não durou muito tempo, mas uma doença induzida pelo estresse a deixou perto da morte. Quando se recuperou, ela e Belloc se casaram, mas o casamento foi interrompido quando Elodie morreu de câncer aos 45 anos de idade.
A Resiliência de Belloc
Belloc tinha uma resistência incrível e uma espécie de “condicionamento físico inadequado”. Ou seja, ele caminhava distâncias incríveis com pequenas quantidades de comida e suportava o frio e a insônia; à medida que envelhecia, continuou a fazer isso, apesar de ser bastante corpulento e ter uma barriguinha. Em sua época de faculdade, ele chegou a caminhar 55 milhas de Oxford a Londres em menos de 12 horas. “Ele era um homem muito humilde, mas acreditava que a competição significava batalhas difíceis”, escreveu H.E.G. Rope em um artigo comemorativo após o falecimento de Belloc em 1953.
A Vela e a Montanha
Dois passatempos que eu acho que ele apreciava acima de todos os outros eram velejar e praticar montanhismo. Dois de seus importantes livros que tratam desses assuntos foram republicados recentemente. Portanto, é com prazer que encorajo todos a ler as páginas de The Cruise of the ‘Nona‘ e Hills and the Sea [A Viagem do Nona e Colinas e o Mar].
No primeiro livro, o relato ostensivo de Belloc sobre um cruzeiro em seu pequeno barco serve como contexto para meditações amplas sobre a vida, o universo e tudo mais — mas especialmente sobre a Europa e as influências que a tornaram o que é.
O Contexto Pessoal do Cruzeiro
Esse é também o momento mais autobiográfico de Belloc: o cruzeiro que ele narra ocorreu logo após a morte de sua esposa. Para um leitor atento e familiarizado com a vida do escritor, o texto repentinamente se aprofunda, e passagens como essa florescem com um significado pungente:
De fato, o percurso de um barco é muito parecido com o que acontece com a alma de um homem de uma forma mais ampla. Partimos para lugares que não alcançaremos, ou que alcançaremos tarde demais; e, no caminho, acontecem-nos todos os tipos de coisas que jamais poderíamos esperar. Somos brindados com grandes visões, sofremos tédios intoleráveis, não chegamos ao fim dos negócios, ficamos sozinhos fora da vista da Inglaterra, fazemos desembarques surpreendentes — e todo o processo nos leva a lugar nenhum, mas ainda assim está repleto de descobertas, emoções, aventuras, perigos e repouso..
A Grandeza de Belloc
Esse é um excelente exemplo da descrição de Belloc feita por Rope como “um grande homem em todos os sentidos, um homem completo, um gênio multifacetado, uma mente magnífica e uma alma verdadeiramente heroica”.
Apesar dos muitos contratempos e tristezas de sua vida, Belloc abraça o fato de que a vida ainda está “viva com descobertas, emoções, aventuras, perigos e repouso”, apesar dos “lugares que não alcançaremos, ou que alcançaremos tarde demais” e dos “tédios intoleráveis”. Belloc não permitiu que o sofrimento obscurecesse sua visão porque, no final das contas, ele ama “esse mundinho detestável que pode ser tão bonito quando quer”.
Ensaios do Mar
Em Hills and the Sea [Colinas e o Mar], Belloc reúne ensaios sobre uma ampla variedade de experiências de viagem, geralmente vilarejos ingleses, cidades do continente ou façanhas sobre as ondas e as montanhas. Diversos ensaios tratam de várias caminhadas pelas montanhas dos Pirineus. Essa cordilheira, excepcionalmente íngreme e alta, separa a Península Ibérica do resto da Europa. A fronteira entre a Espanha e a França está em seu topo, de modo que, ao escalá-la, passa-se de uma cultura para outra:
Quando alguém passa de um país para o outro, é como se estivesse fechando uma porta entre si mesmo e o mundo. Por algum motivo, a impressão de uma civilização tão ativa, ao ponto de causar angústia, nos acompanha por toda a passagem da ferrovia francesa até o cume da cordilheira; mas quando passamos por esse cume, o sol novo e brilhante sobre as enormes geleiras à nossa frente, a ausência de sinais humanos e de água nos impressiona subitamente com o silêncio.
Reflexões Sobre os Pirineus
“A crista dos Pirineus não é um cume nem uma borda, mas uma grande parede de lajes, por assim dizer, encostada no céu”, pensa Belloc. Assim, em “The Pyrenean Hive” [A colmeia dos Pirineus], Belloc escreve sobre uma pequena cidade nos Pirineus que não tem estrada de entrada ou de saída. Trata-se, portanto, de um fóssil vivo de uma cidade — embora tenha luz elétrica.
Já em “The Wing of Dalua” [A Asa de Dalua], Belloc conta como ele e um amigo foram “enfeitiçados por trinta horas” enquanto tentavam passar por uma parte dos Pirineus. Os dois ficaram presos em nuvens à noite, viram miragens na escuridão e, apesar de parecerem estar avançando o tempo todo, chegaram no dia seguinte ao vale de onde partiram.
Companheiros de Viagem
Embora Belloc tenha se aventurado sozinho como ele conta em The Path to Rome [O Caminho para Roma], ele também buscava companheiros de viagem: e assim “os dois homens” frequentemente escalavam os Pirineus juntos:
Eles se amavam como irmãos, mas brigavam como socialistas. Eles se amavam porque tinham em comum o vínculo da humanidade; eles brigavam porque diferiam em quase todas as outras coisas… Os Deuses superiores haviam dado a um o juízo, ao outro a coragem; mas a ambos aquela medida de infortúnio que é seu presente para aqueles a quem estimam.
Sabedoria e Infortúnio
Parte da sabedoria que se pode extrair dos livros de Belloc resulta desse infortúnio — porque dele “resultou tanto um grande conhecimento da verdade quanto uma defesa dela… uma devoção à beleza das mulheres e deste mundo; um ódio declarado a certas coisas e homens e, infelizmente, uma tristeza permanente também”. Essa melancolia dá às reflexões de Belloc o toque de saudade de uma melodia de flauta irlandesa.
O Defensor das Coisas Boas
É por isso que leio o meio turbulento, meio choroso, meio francês, meio inglês que é Belloc: porque (como Ronald Knox disse sobre ele ao pregar seu sermão fúnebre), “Nenhum homem de seu tempo lutou tanto pelas coisas boas”. Isso é bastante evidente na vivacidade, no espírito, que Belloc viveu antes mesmo de pensar em escrever sobre isso em The Cruise of the ‘Nona’ ou Hills and the Sea.
O Autor
Julian Kwasniewski é músico especializado em alaúde renascentista e música vocal, artista e designer gráfico, além de consultor de marketing de várias empresas católicas. Seus textos são publicados no National Catholic Register, Latin Mass Magazine, OnePeterFive e New Liturgical Movement. Você pode encontrar algumas de suas obras de arte no Etsy.
https://www.institutonewman.com.br/educacao/chesterton-e-o-significado-de-educacao/