Acaso existem paralelos entre os contos de fadas e as narrativas bíblicas? Como a história de “A Noviça Rebelde” ilustra temas mais elevados como a pureza, o chamado divino e o heroísmo? Nesse artigo o autor nos mostra que essas narrativas se entrelaçam com os mitos bíblicos, criando uma rica tapeçaria de lições morais e espirituais. E, ao mesmo tempo, elas reforçam a importância da integração entre diferentes faixas etárias na educação católica.
Dwight Longenecker, The Imaginative Conservative | Tradução: Equipe Instituto Newman
Os Mitos Imortais e a Bíblia
Todos os mitos imortais, sagas e contos de fadas que encontramos no mundo do faz de conta são recontados na Bíblia. O mesmo acontece com a recente produção da nossa escola, uma encenação de “A Noviça Rebelde”. Sem dúvidas, a história da empregada pura, que ouve o chamado de Deus, ecoa inconscientemente nas vidas dos alunos de uma academia católica clássica.
Há alguns anos, nossa típica escola paroquial católica de ensino fundamental I e II expandiu-se para incluir uma escola de ensino médio. Certamente, tem sido um prazer ver como uma escola paroquial pequena e voltada para a família pode atender crianças de todas as idades. Ora, ter crianças mais novas na comunidade ajuda os alunos do ensino fundamental II e médio a se manterem conectados com seus irmãos. Da mesma forma, manter os alunos do ensino médio no campus significa que os mais jovens têm alguém para admirar e compartilhar a vida escolar.
O elenco de “A Noviça Rebelde”, produzido e dirigido por Adam Slocum na escola Our Lady of the Rosary.
A Integração Escolar
Desde que passei a trabalhar como capelão de uma escola de ensino médio, ficou claro que é desastroso para os alunos do ensino fundamental e médio — justamente no período mais vulnerável de suas vidas — ficarem isolados das influências que deveriam ser mais importantes para eles: seus pais e irmãos. Ao serem confinados em uma estufa com centenas de outros adolescentes como colegas, não é de se admirar que eles sejam movidos por influências destrutivas, valores seculares e ideologias insidiosas.
Em nossa escola paroquial integrada, as atividades extracurriculares são um momento especial para que as várias idades se reúnam para brincar, trabalhar, orar e aprender. É como uma extensão de suas unidades familiares.
O Sucesso de “A Noviça Rebelde” na Nossa Escola
Um bom exemplo foi nossa recente produção do clássico musical A Noviça Rebelde. Os alunos do ensino médio interpretaram os papéis principais como a Madre Abadessa, Maria e o Capitão de forma surpreendente. Já as crianças do ensino fundamental I e II preencheram os papéis menores e brilharam interpretando as crianças Von Trapp. As seis apresentações tiveram os ingressos esgotados, com familiares e amigos lotando o espaço do teatro que construímos, e, juntos, o drama articulou nossa fé católica compartilhada.
Aqui estava Maria — uma garota órfã que queria ser freira, mas, acima de tudo, queria fazer a vontade de Deus. Ali estava um mentor que a aconselhava, com toda razão, que ela poderia amar a Deus por meio do casamento e da vida familiar. À medida que a peça continuava e eu refletia sobre a famosa história, pareceu-me que A Noviça Rebelde é, na verdade, um conto de fadas moderno — uma história de Cinderela [1], para ser mais preciso.
Os Paralelos Entre Contos de Fadas e a Bíblia
Havia todos os elementos: uma heroína órfã, algumas irmãs adotivas desagradáveis (bem, talvez não tão desagradáveis) como as freiras que a criticam, uma fada madrinha-mentora como a Madre Abadessa, uma madrasta vilã como Elsa e o capitão como o belo príncipe do palácio.
Seria exagero pensar por que certos contos de fadas são contados e recontados, reformulados e renovados não apenas em nossa cultura, mas em muitas culturas do mundo todo? A história da menina órfã humilhada que é abençoada com boa sorte e vive feliz para sempre é uma dessas histórias de “princesas” que ecoa repetidamente na cultura histórica e contemporânea.
Mitos, Sagas e a Bíblia: Reflexões
Tenho uma teoria de que todos os grandes contos de fadas e mitos também ecoam nas histórias e sagas da Bíblia. Em meu livro The Romance of Religion [O Romance da Religião], descrevi alguns dos paralelos:
Considere por um momento todas as grandes histórias míticas do mundo. Pense em seus grandes temas. Cada uma delas pode ser encontrada no Antigo Testamento, que é tanto o livro de histórias quanto o livro de história do povo hebreu. Você está procurando a história do homem comum que na verdade é um príncipe, que ouve a voz mágica que o chama para embarcar em uma busca heróica? Esse herói comum tem um segredo obscuro? Será que ele matou um homem? Ele está em uma jornada para recuperar sua própria alma, bem como para vencer um poderoso e sombrio Senhor e libertar seu povo? Essa é a história de Moisés.
Queremos contar a história do herói que precisa atravessar o submundo para reivindicar a salvação? Será que ele desce até as entranhas mais escuras da Terra? Será que ele enfrenta sua própria mortalidade, sua própria rebelião, sua própria fraqueza e pobreza? Será que ele perde tudo para ganhar tudo? Ele sacrifica sua própria vida e depois se levanta vitorioso para salvar seus amigos, sua família e a si mesmo? Então, lembre-se de José, que foi lançado em um poço, vendido como escravo e saiu triunfante como governante no Egito. Ou pense em Jonas, o profeta, que foi jogado no caos profundo e escuro do mar, engolido por um grande peixe, apenas para ser vomitado no terceiro dia, sujo, mas triunfante. Lembre-se de Elias, nas profundezas da caverna no monte santo, sentado, observando e esperando a voz de Deus.
Eu poderia dar mais exemplos, mas o que quero dizer é que todos os mitos imortais, sagas e contos de fadas que localizamos no mundo do faz-de-conta são recontados na Bíblia — mas, neste caso, os eventos e os personagens são históricos.
A Noviça Rebelde é uma Cinderella Story
O mesmo acontece com A Noviça Rebelde e todas as histórias de Cinderela. Esta é a história de uma criada pura que deseja fazer a vontade de Deus e ouve um chamado do alto para sair de sua zona de conforto e embarcar em uma grande aventura para Deus. Ela é uma moradora das montanhas e, portanto, é especial. Mas ela não se encaixa no mundo comum com suas expectativas cotidianas. Como você resolve um problema como o de Maria? Mas ela é diferente porque tem um destino único. Por que nos emocionamos com essa história? Porque ela nos aponta, mesmo sem saber — e ainda mais poderosamente por isso — para a história maior da empregada de Nazaré (também órfã), que ouve o chamado para um casamento único e para viver essa grande aventura cheia de graça.
A Relevância de A Noviça Rebelde na Educação Católica
Certamente não creio que nossos alunos imaginem que estão reencenando de forma dramática a história do Magnificat. No entanto, a amada história da freira austríaca e dos filhos órfãos — o pai severo e triste e a ameaça sombria de um temível regime satânico — ecoa inconscientemente em suas vidas em uma academia católica clássica, onde, depois da missa, eles cantam com muita doçura (e, depois dos jogos de basquete, com muito entusiasmo):
- Regina caeli, laetare, alleluia.
- Quia quem meruisti portare, alleluia.
- Resurrexit, sicut dixit, alleluia.
- Ora pro nobis Deum, alleluia.
- Gaude et laetare, Virgo Maria, alleluia.
- Quia surrexit Dominus vere, alleluia.
Referências
- Nota do tradutor: Uma história de Cinderela, ou A Cinderella Story é uma expressão comum em inglês que se refere a uma pessoa ou coisa que obtém sucesso ou reconhecimento inesperado ou repentino, especialmente após obscuridade, negligência ou miséria.
O Pe. Dwight Longenecker é colaborador sênior do site The Imaginative Conservative. Formado pela Universidade de Oxford, é pastor da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Greenville, SC, e autor de vinte livros. Para mais informações visite seu blog, ouça seus podcasts, participe de seus cursos on-line, procure seus livros e entre em contato em dwightlongenecker.com.