A genialidade de Joseph Pearce por si só já seria motivo suficiente para a leitura detalhada deste brilhante artigo. Acrescente-se a isso a perspectiva única Chesterton sobre o significado da educação e temos um ensaio digno de ser relido um punhado de vezes. Nestas breves linhas o autor nos apresenta os pilares da educação clássica e os contrapõe com o problema da educação moderna.
Joseph Pearce, Catholic Exchange | Tradução: Equipe Instituto Newman
“É típico do nosso tempo”, escreveu Chesterton, “que quanto mais duvidamos do valor da filosofia, mais certos estamos do valor da educação. Quer dizer, quanto mais duvidamos se possuímos alguma verdade, mais certos estamos (aparentemente) de que podemos ensiná-la às crianças. Quanto menor for a nossa fé na doutrina, maior será a nossa fé nos doutores…”[1]
A ausência de teologia e filosofia no núcleo da academia moderna leva, inevitavelmente, na visão de Chesterton, a duas concepções educacionais incompatíveis tentando coexistir, e isso, por sua vez, constitui um cisma ou esquizofrenia no próprio coração da academia:
A verdade é que o mundo moderno se comprometeu com duas concepções totalmente diferentes e inconsistentes sobre a educação. [Ele] está sempre tentando expandir o alcance da educação; sempre tentando excluí-la de toda religião e filosofia. Mas isso é um completo absurdo. Você pode ter uma educação que ensina o ateísmo porque o ateísmo é verdadeiro, e [essa educação] pode ser, a partir do seu próprio ponto de vista, uma educação completa. Mas você não pode ter uma educação que aspira ensinar toda a verdade e, ao mesmo tempo, recusa-se a discutir se o ateísmo é verdadeiro [2].
A absurda tentativa da academia moderna de construir uma universidade desprovida de [princípios] universais foi um tema ao qual Chesterton retornou com frequência. “Retire o sobrenatural”, diz Chesterton, “…e o que resta é o antinatural”. “A educação é apenas a verdade em um estado de transmissão”, escreveu ele em outra ocasião, “e como podemos transmitir a verdade se ela nunca chegou em nossas mãos?”[4]
Uma consequência dessa falta de sinceridade na academia foi o que Chesterton chamou de “padronização por um nível baixo”, um emburrecimento dos padrões para um denominador comum de mediocridade prescrita [5]. Na ausência de um currículo integrado no qual cada disciplina [ajude a] esclarecer a outra, cada parte fazendo sentido à luz do todo, a academia moderna se desintegrou literalmente em uma infinidade de partículas fragmentadas, nenhuma das quais se comunica com as outras partes. “Tudo foi separado de todo o restante, e tudo esfriou. Em breve ouviremos falar de especialistas dividindo a melodia das palavras de uma canção, com base no fato de que elas estragam umas às outras… Este mundo é um selvagem tribunal de divórcios.”[6]
Ironicamente, ao exorcizar o espírito unificador da teologia e da filosofia do currículo central, a academia moderna condenou-se à fragmentação conflituosa, na qual cada disciplina se exilou das outras. Ao excomungar a teologia e a filosofia, a academia moderna paradoxalmente se excomungou a si mesma! “Devido ao fato de a escola primária não ensinar teologia”, escreveu Chesterton, “ela deve ser desculpada de não ensinar nada. O viés do mundo moderno é tão grande que permitirá que algo seja ineficiente contanto que também seja irreligioso.” [7]
O espírito antirreligioso da modernidade é tão hostil à ideia de uma verdade unificadora que prefere uma educação sem sentido a uma educação informada pelo significado inerente às reivindicações de verdade da religião e da filosofia. E isso, de acordo com Chesterton, na verdade não é educação: “Toda educação ensina uma filosofia; se não por dogma, então por sugestão, por implicação, por atmosfera. Cada parte dessa educação tem uma conexão com todas as outras partes. Se não se combina para transmitir uma visão geral da vida, simplesmente não é educação.”[8] Essa visão integrada da educação em artes liberais contrasta com a educação desintegrada do relativista: “Há algo a ser dito sobre ensinar tudo a alguém, em comparação com a noção moderna de ensinar nada, e o mesmo tipo de nada, a todos.”[9] Enquanto o primeiro transmite uma filosofia pela qual se pode entender o cosmos, o último “não é uma filosofia, mas a arte de ler e escrever de forma não filosófica.”[10] O primeiro ensina seu destinatário a pensar; o último impede sua vítima de pensar.
E essa ausência de pensamento e da capacidade de pensar é a tragédia da educação moderna, porque não podemos entender as outras matérias do currículo se não pudermos entender a filosofia e a teologia. Veja o estudo da história, por exemplo. Se os historiadores jamais receberam instrução em filosofia e teologia, eles estão excomungados do passado. Eles não entendem quem faz a história, o que faz a história e por que a história é feita. Eles [simplesmente] não [são capazes de] entender. Mais uma vez, Chesterton diagnostica o problema com uma precisão infalível:
Aproximadamente metade da história ensinada nas escolas e faculdades é tornada vazia e árida pela noção limitada de excluir as teorias teológicas… Os historiadores parecem ter esquecido completamente dois fatos — primeiro, que os homens agem a partir de ideias; e segundo, que talvez fosse bom descobrir quais [são essas] ideias[11].
Compreendida corretamente, a história é um mapa cronológico que nos mostra não somente de onde viemos, mas também onde estamos e como chegamos aqui. Também é possível projetar para onde provavelmente iremos no futuro, traçando a linha do conhecimento no mapa cronológico de onde viemos até onde estamos agora, e estendendo a linha para o domínio das possibilidades futuras. Nesse sentido, a história também pode ser profética. Ela aumenta nosso conhecimento do passado, presente e futuro. No entanto, isso só é verdade se o mapa cronológico for correto. Se tiver sido traçado por aqueles com percepções preconceituosas ou uma agenda tendenciosa, só terá sucesso em nos confundir. Poucas coisas são mais perigosas do que um mapa incorreto, especialmente se nos encontrarmos em um terreno perigoso.
A tragédia da educação moderna, percebida brilhantemente por Chesterton, é que ela nos deixou perigosamente ignorantes sobre quem somos, onde estamos, de onde viemos e para onde estamos indo. Estamos perdidos e alegremente ignorantes que estamos nos dirigindo ao abismo. Esse é o preço ao qual estamos condenados a pagar por nossa fé cega em nada em particular.
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Referências
- G. K. Chesterton, Illustrated London News, Jan. 12, 1907.
- G.K. Chesterton, The Common Man, New York: Sheed & Ward, 1950, p. 168-9
- G.K. Chesterton, Collected Works, Vol. 1, San Francisco: Ignatius Press, p. 88.
- G.K. Chesterton, What’s Wrong with the World, New York: Dodd, Mead and Company, 1910, pp. 192-3.
- G.K. Chesterton, Culture and the Coming Peril, being the text of a speech delivered by Chesterton at the University of London in 1928; reprinted in the Chesterton Review, Vol. 18, No. 2, August 1992.
- G.K. Chesterton, What’s Wrong with the World, p. 152.
- G.K. Chesterton, Illustrated London News, July 18, 1914.
- G.K. Chesterton, The Common Man, p. 166.
- G.K. Chesterton, All I Survey, London: Methuen, 1933, p. 50.
- Ibid.
- G.K. Chesterton, Illustrated London News, May 13, 1911.