O professor, marido e escritor Derek Rotty escreveu o artigo abaixo em fevereiro de 2023, por ocasião de um popular evento de escolas católicas nos Estados Unidos. Ele nos brinda com sua perspectiva sobre como as artes liberais ainda são a melhor base para a educação católica, apesar da concorrência de pedagogias modernas bastante atrativas, mas sem dúvida muito incompletas.
Derek Rotty, National Catholic Register | Tradução: Equipe Instituto Newman
A educação católica atual
Estamos nos aproximando do fim de semana das escolas católicas. Esta é a semana em que as escolas católicas paroquiais e independentes destacam as muitas coisas valiosas que trazem para a vida dos alunos e famílias, bem como sua contribuição para as comunidades.
Anualmente, ouvimos dados sobre como os alunos das escolas católicas superam consistentemente os alunos de outras escolas e têm um melhor desempenho no nível universitário. Embora esses dados sejam verdadeiros e contribuam para a nossa perspectiva, também devemos reconhecer que houve tendências nas gerações recentes que nos afastaram da visão da Igreja para uma educação holística. Portanto, se queremos que as escolas católicas e seus alunos prosperem, devemos recuperar a visão da Igreja para a educação, que se baseia nas artes liberais.
A educação segundo o Vaticano II
Ora, para captar a visão da Igreja para a educação, basta olhar para a declaração sobre a educação cristã do Segundo Concílio do Vaticano, Gravissimum Educationis. Na sessão de abertura desta declaração, a Igreja disse que:
As crianças e os adolescentes sejam ajudados em ordem ao desenvolvimento harmônico das qualidades físicas, morais e intelectuais, e à aquisição gradual dum sentido mais perfeito da responsabilidade(…) na busca da liberdade.
E, certamente, não existe forma ou método de educação que ajude os estudantes e comunidades a buscar a verdadeira liberdade como as artes liberais. Desde aprender a pensar logicamente a apresentar um argumento racional e convincente, essas artes fomentam uma vida realizada em qualquer pessoa que as pratique.
As artes liberais
Diante disso, quais são essas artes liberais que a Igreja nos apresenta? Em primeiro lugar, há o trivium clássico, composto por gramática, lógica e retórica. Este é o conjunto fundamental de disciplinas que promove o pensamento básico e claro, e a comunicação. Ensinam-se essas três disciplinas fundamentais de forma mais eficaz no ensino fundamental e, em seguida, habituadas e reforçadas ao longo dos anos seguintes de escolaridade.
Em segundo lugar há o quadrivium; trata-se do conjunto de quatro disciplinas que consistem em aritmética, geometria, astronomia e música. Essas disciplinas tornam-se mais robustas e centrais nos currículos à medida que os estudantes envelhecem e amadurecem.
Não só o trivium, como também o quadrivium são disciplinas conhecidas há milênios. Mesmo antes do advento de Jesus Cristo e da Igreja, já se sabia que as artes liberais são a melhor base para formar seres humanos que pensam, se expressam e levam vidas verdadeiramente boas.
A fé no centro da educação
Além disso, nossa fé católica nos lembra que a educação envolve mais do que médias de notas e bolsas de estudo. De tal forma que o ponto focal crucial de uma educação católica é a “perfeição equilibrada da personalidade humana” nos estudantes. Pois é nesse equilíbrio que os alunos se tornam virtuosos e suas vidas inteiras, da escola ao esporte, ao serviço cívico, são “inspiradas pelo espírito de Cristo”.
Em resumo, a educação católica pretende cultivar pessoas virtuosas, “pequenos Cristos”, que possam ir ao mundo e mudá-lo. As artes liberais abrem o caminho para a conversão e a virtude de uma forma melhor do que qualquer outro método educacional.
Com esse propósito, os pais conciliares proclamam que uma escola católica que cumpra sua missão e propósito “orienta toda a cultura humana para a mensagem da salvação, de modo que o conhecimento que os alunos adquirem sobre o mundo, a vida e os homens seja iluminado pela fé”.
Atraídos pelas promessas das pedagogias modernas
Infelizmente, tanto a luz da fé quanto a mensagem da salvação têm sido amplamente rejeitadas por aqueles imbuídos com o espírito moderno do cientismo. Por exemplo, Charles Darwin alegou que só os avanços na ciência proporcionam a melhor “iluminação da mente dos homens”. Assim, existe uma tendência na educação, mesmo nas escolas católicas, de se render ao movimento da cultura moderna.
As correntes pedagógicas modernas são tão variadas quanto são atrativas, e muitos acreditam que a chamada STEM [1] — ciência, tecnologia, engenharia e matemática — seja a proverbial onda do futuro. Além disso, essa abordagem parece ser o caminho para atrair (tão necessários) investimentos para as escolas.
Como encarar as novas tendências?
No entanto, devemos nos perguntar se essas disciplinas, divorciadas da filosofia, teologia e humanidades, não causam um bloqueio nas almas dos estudantes. E, ainda mais, como a Igreja deve se posicionar diante das tendências modernas na educação, especialmente o movimento em nossa cultura para se concentrar intensamente em programas STEM?
Ora, antes de mais nada, deve-se ter em mente que o quadrivium clássico — ou seja, as quatro disciplinas que compõem o segundo plano do currículo — está intimamente alinhado com a STEM. Posto que a aritmética e a geometria são matemáticas, e a astronomia (que inclui a física) é uma ciência. A tecnologia e a engenharia são aplicações práticas do conhecimento adquirido nas disciplinas anteriores. Ainda assim, uma pessoa terá mais facilidade em aplicar o conhecimento a partir de uma base sólida em boa gramática, lógica e retórica.
O Dr. Jeremy Rotty é diretor do laboratório de pesquisa biomédica da Universidade de Serviços Uniformizados. Ele esclarece esse ponto ao reconhecer o lugar indispensável das artes liberais, mesmo nas áreas STEM:
Eu acredito que muitos dos meus colegas bem-sucedidos têm uma formação em artes liberais, porque é um ambiente que ensina como pensar, como escrever e como convencer os outros de sua posição. Eu digo aos meus alunos que cada coisa que eles produzem é um artigo de opinião, mesmo que seja baseado em dados empíricos sólidos. Você tem que criar uma narrativa. Pessoas que não tiveram prática nisso em um currículo de artes liberais provavelmente terão dificuldade, pois essas habilidades são aplicadas, mas não ensinadas, em muitas disciplinas STEM.
Não há oposição entre fé e ciência
A declaração da Igreja, juntamente com declarações como esta de acadêmicos de alto nível, nos lembram que matemática, ciência, engenharia e tecnologia só prosperam quando construídas a partir da gramática, lógica e retórica. A fé católica apoia plenamente a matemática, a ciência e a engenharia, em seus lugares apropriados. Lembremos que a participação e inovação de católicos possibilitou a maioria dos avanços do mundo moderno em diversas disciplinas.
No entanto, esses avanços vieram depois que seus inovadores tinham uma base sólida nas artes liberais clássicas. Somente os matemáticos e cientistas que possuíam uma forte base na gramática, lógica e retórica foram capazes de se destacar nessa próxima camada de busca intelectual e acadêmica.
Contribuições católicas
Com efeito, a fé católica ainda tem algo inestimável a contribuir para a sociedade e a cultura, especificamente por meio da educação. E, de fato, essas contribuições podem ocorrer — e já ocorreram — em todas as áreas do conhecimento, inclusive na engenharia, na tecnologia, na física, ou na biologia.
No entanto, é necessário desenvolver e apresentar qualquer contribuição com clareza e coerência, e, acima de tudo, em um bom quadro moral. Retomar as artes liberais como base da educação é a única maneira de fornecer essa clareza moral e coerência. Trata-se da melhor e mais robusta maneira de educar nossos filhos para se tornarem a próxima geração de grandes pensadores, inovadores e líderes.
Referências
Nota do Tradutor: Usa-se a sigla STEM em Inglês para designar as quatro matérias escolares consideradas de suma importância nos currículos atuais e na pedagogia moderna. Tratam-se da ciência, da tecnologia, da engenharia e da matemática; se pegarmos as primeiras letras de cada uma delas, science, technology, engineering, and mathematics temos STEM. A palavra stem, em letras minúsculas, entretanto, tem outros significados, como tronco ou caule.