Por que nos preocupamos tanto com nossa educação e a educação de nossos filhos? Acaso sabemos qual o fim último da verdadeira educação? Ou será que estamos simplesmente preocupados com a insersão no mercado de trabalho, o pão de cada dia?
A experiência prática do autor como diretor de uma escola católica nos mostra que tudo que fazemos ou aprendemos são pequenas partes de um todo. E é justamente esse todo o objetivo último da educação. Quer se estude gramática, retórica ou até mesmo marcenaria tudo deve nos direcionar para Deus, que é a verdade para a qual todas as outras verdades apontam.
Stephen Fitzpatrick, Catholic Exchange | Tradução: Equipe Instituto Newman
Não apenas estava trinta e cinco graus lá fora, como também eu havia acabado de cavar um buraco para uma caixa de correio na argila rochosa da Virgínia ao lado de um estacionamento. Enquanto estava curvado sobre o buraco, despejando concreto nele, um pensamento me ocorreu: não era isso que eu esperava do meu emprego.
Quando aceitei o cargo de diretor da escola Cardinal Newman Academy há alguns meses, eu não sabia que envolveria mover pianos (não é piada) e instalar caixas de correio. Porém, também não posso dizer que estou muito surpreso. Ora, a escola ainda está em sua infância e acabamos de mudar de local. De tal forma que o diretor de uma pequena escola católica independente é obrigado a desempenhar várias funções. Decerto, isso faz parte do pacote, e estou feliz em fazer o que for necessário para oferecer uma educação católica autêntica aos jovens sob minha responsabilidade.
É claro que se não estiver ocupado com o trabalho manual, certamente estarei realizando algum trabalho de natureza intelectual em preparação para alguma aula ou exposição. O patrono da nossa escola é o Beato (em breve São) John Henry Cardeal Newman. Portanto, tenho lido sua famosa obra sobre educação, “A Ideia de uma Universidade”.
Sem dúvida, nessas séries de palestras, Newman faz muitas afirmações sensatas sobre a natureza de uma verdadeira educação. E entre elas está sua declaração de que alguém não está verdadeiramente educado a menos que tenha um senso do todo. “Somente é verdadeiro o alargamento da mente que é o poder de ver muitas coisas de uma vez como um todo, de referenciá-las separadamente em seu verdadeiro lugar no sistema universal, de entender seus valores respectivos e determinar sua dependência mútua”. Em outras palavras, não basta saber algo, ou mesmo muito, sobre este ou aquele assunto, ou mesmo sobre diversos assuntos, se você não for capaz de relacioná- los entre si.
Assim sendo, se, ao final de sua educação, você acumulou conhecimento sobre muitas coisas, mas elas formam um arquipélago desconectado de ilhas isoladas, você não obteve uma educação. Se, todavia, as várias ilhas de seu conhecimento estão interligadas por muitas pontes, você tem o que Newman chama de estado de espírito filosófico, que é a marca característica do homem educado.
Nesse ponto de vista, Newman ecoa filósofos antigos como Aristóteles, ao afirmar que a sabedoria está nas conexões, isto é, na capacidade de ver como coisas aparentemente díspares se relacionam entre si. Com efeito, o homem sábio é aquele que compreende o todo e, logo, é capaz de assimilar qualquer nova verdade e incluí-la em seu arcabouço mental. Ora, se não forem capazes de enxergar a realidade de forma ampla, argumenta Newman, as pessoas estarão à mercê da retórica emocional e dos sentimentos populares.
Ao mesmo tempo não poderão resolver as dificuldades por conta própria, pois carecem das ferramentas necessárias para entender seu lugar no mundo. Elas não reconhecem a verdade e a educação, afinal, trata da verdade. Não apenas a verdade é o objeto apropriado do intelecto, como também todas as verdades são reflexos da única verdade. Ou seja, todo conhecimento se relaciona, em última instância, com uma única matéria. É por isso que as conexões são tão vitais para a sabedoria.
Nesse ínterim, a visão última pela qual devemos nos esforçar para enxergar é semelhante àquela que Dante Alighieri nos oferece no final de sua Divina Comédia. Dante contempla o centro divino em chamas tão intensas que ele só pode ver por ter sido concedido um poder de visão além do alcance dos homens terrenos. E em torno desse centro orbitam os anjos e os santos.
Sem deterem-se mais do que é preciso,
Os olhos meus haviam rodeado
Em sua forma geral o Paraíso:
Vivo desejo em mim ‘stando ateado,
A Beatriz voltei-me; ter queria
A solução do que era inexplicado.
(Paraíso, Canto 31, linhas 52-57)
Do mesmo modo, na minha analogia, os anjos e santos representam os objetos de investigação corretos das ciências e disciplinas particulares. E, de fato, eles podem ser estudados individualmente, o que é útil, porém, sem a luz ao centro, perdem seu significado e verdadeira importância. Na verdade, nem mesmo seriam visíveis sem a luz que dá vida. Assim, a cosmologia como um todo deve ser pelo menos parcialmente compreendida para saber como interpretar as partes, pois as partes formam um todo belo e ordenado.Posto que este todo é o que o bom educador deve esforçar-se para mostrar aos seus alunos, e é precisamente isso que Newman considerava como parte fundamental da missão de uma universidade.
Contudo eu não sou responsável por uma universidade, e sim uma escola secundária. Como isso pode ocorrer em uma sala de aula do ensino médio? Ora, tive um exemplo maravilhoso disso hoje mesmo. Estava conversando com um homem que irá ministrar uma aula de marcenaria para meus alunos. A coisa parece muito simples: os alunos terão a valiosa experiência de trabalhar com os materiais deste mundo e moldá-los em algo útil e, espero, belo. Sem dúvida uma experiência proveitosa, mas talvez seja possível ir além e acrescentar a visão ampla da realidade a isso.
Dessa forma, o professor de marcenaria me contou como também queria que os alunos realizassem leituras para sua aula. Em resumo, os alunos receberiam, entre as aulas, trechos de textos do Papa São João Paulo II, São Bento, entre outros, os quais tratariam da santidade do trabalho e do desejo inato do homem de ser, ainda que de forma pequena, co-criador com Deus. O professor queria que os alunos vissem como a marcenaria satisfaz um desejo profundo e sagrado no homem de pegar a “boa” criação de Deus e oferecê-la de volta a Ele, remodelada e tornada bela pelo uso de suas mãos, aliado ao seu dom único da razão.
Por consequência, a aula de marcenaria agora está examinando a natureza da humanidade e como ela deve se relacionar com o restante da criação física. Este é um plano belo e profundo para integrar uma aula de marcenaria a essa imagem maior e fazê-lo de uma forma acessível aos estudantes do ensino médio. Eles ainda vão fazer mesas e prateleiras, mas todo o tom da aula foi elevado. Pontes foram construídas.
Quanto mais um professor for capaz de fazer essas conexões para seus alunos, mais lhes proporcionará uma visão do todo. Os professores devem conscientemente tentar transmitir essa ideia da imagem maior ao ensinar qualquer parte dela que lhes seja atribuída. É bom para os alunos contemplarem a misteriosa ordem na criação em uma aula de geometria. É bom para eles admirarem uma frase lindamente elaborada em um livro de história. É bom para eles repousarem no maravilhoso e poético fato de que toda a energia que alimenta seus corpos vem, em última instância, do sol. É bom para eles aprenderem com seus corpos, bem como com suas mentes. Afinal, somos uma união de corpo e mente, e não apenas durante esta vida terrena passageira como pensava Sócrates. Para transmitir a visão do todo, a educação deve integrar todas as partes em uma imagem maior e bela com Deus no centro, dando significado a todas as coisas. A redescoberta e a comunicação desse todo devem ser uma prioridade para qualquer boa escola.
Finalmente, tudo isso me ocorreu enquanto suava no tempo quente, imaginando se meu buraco estava profundo o suficiente (e torcendo muito para que estivesse). Qualquer pessoa que passasse por mim poderia ter me confundido com um pedreiro, em vez do diretor da escola. O que eu estava fazendo só fazia sentido com uma compreensão adequada da imagem maior; uma visão integrada do todo. Minha própria situação era um pequeno exemplo que ilustrava o princípio maior que eu havia lido no dia anterior em “A Ideia de uma Universidade”. E essa fortuita situação agora me serve de lembrete enquanto planejo minhas próprias aulas para o próximo semestre. Lembrete que recebo de braços abertos.