O niilismo é, junto do relativismo, um dos maiores inimigos da verdade, e consequentemente da educação que pretende orientar as crianças para a verdade. Isso torna qualquer iniciativa de educação católica inimiga, por excelência, do niilismo. E o professor Glenn Arbery, autor do texto, declara sem meias palavras que a missão da Wyoming Catholic College, instituição da qual é presidente, é combater o niilismo. Suas palavras nos propõem uma reflexão filosófica acerca do tema e são de grande valia para nós. O texto foi primeiramente publicado em dezembro de 2021 no site de sua Universidade.
Glenn Arbery, The Imaginative Conservative | Tradução: Equipe Instituto Newman
A nossa Universidade existe para combater o niilismo, abrindo os nossos estudantes para a sabedoria integral do passado — a grande tradição — e para a verdade da natureza diretamente experimentada. Estamos firmemente centrados em Deus, não no abstrato, mas no mundo real, no que Ele revelou sobre a sua ação no tempo humano, e mais especificamente ainda, na cruz que perfura o centro da história.
Em 1967, um professor de inglês deu uma palestra no banquete de honra anual da Universidade de Wyoming, em Laramie, mais tarde a universidade enviou esta palestra aos seus antigos alunos, dizendo que era “eminentemente digna de registo”. O professor defendeu a ideia de tradição contra aqueles que argumentam que os avanços do mundo moderno tornaram o passado inútil. Na palestra intitulada The Use of Education, (A função da educação) ele fez duras críticas dizendo:
Quando uma pessoa diz, com toda a honestidade e não apenas para ser esperta, mas com sinceridade, que não consegue compreender o passado, na verdade o que ela quer dizer é que não consegue compreender nada corretamente. Ela não tem capacidade para se maravilhar, não tem imaginação e, portanto, o pensamento para ela é bobagem.
Um pouco mais tarde, soando como um profeta do Antigo Testamento, ele disse que “os nossos próprios filhos estão sendo roubados — e não de nós, mas da sua herança — e quem lhes está roubando são as filosofias baixas de lazer e luxo, o materialismo sem vergonha, e as noções baratas de sucesso”.
As palavras do Dr. John Senior eram eminentemente dignas de registo. Alguns anos depois, ele deixou o estado de Wyoming e mudou-se para a Universidade do Kansas, onde tornou-se uma figura bastante influente no renomado programa de humanidades integradas. Um estudante chamado Robert Carlson foi seu aluno durante a graduação e, várias décadas mais tarde, o Dr. Carlson escreveu a declaração de visão filosófica que serviu de documento fundador da Wyoming Catholic College (Universidade Católica de Wyoming). A declaração do Dr. Carlson baseia-se por completo no espírito de educação articulado por John Senior no seu ensino e nos seus escritos, não só na palestra de 1967, mas também nos seus livros posteriores, como, por exemplo, The Death of Christian Culture (A morte da cultura cristã) e The Restoration of Christian Culture (A restauração da cultura cristã).
Mas por quê fundar uma nova faculdade? Essa foi a pergunta do Dr. Carlson e, em sua declaração, ele mesmo explica a necessidade da fundação da universidade. Ele enumera as principais mudanças na vida contemporânea, incluindo a perda da autoridade da família tradicional e o desaparecimento do conteúdo da educação em todos os níveis. O grande problema, segundo ele, é a desintegração que resulta da ausência de um centro. Refletindo sobre as várias devastações que resultam da perda de Deus, ele chega a esta conclusão:
Atualmente, cada vez mais estudantes chegam às nossas escolas e universidades envoltos num niilismo adquirido na sua educação inicial e na nossa cultura em geral. Este niilismo é ainda mais alimentado nas nossas faculdades e universidades. E está enraizado na negação da verdade objetiva e alimenta a negação de qualquer sentido objetivo da vida. Ele leva a uma perda de esperança que termina no grito desesperado de Macbeth: A vida é “uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, que não significa nada”.
O Dr. Carlson escreveu a declaração de visão filosófica em 2005, mas outros pensadores contemporâneos de peso — e me refiro a Jordan Peterson — continuam a sublinhar o niilismo corrosivo da cultura. Mas o que eles querem dizer exatamente? E o que eles entendem por niilismo?
A história da palavra “niilismo” remonta ao início do século XIX, quando possuía um significado diferente, mas o sentido pertinente já estava plenamente presente há 150 anos, mais ou menos quando Marx e Engels escreveram o Manifesto Comunista:
“rejeição total de crenças religiosas, princípios morais, leis, etc., frequentemente devido a um sentimento de desespero e à crença de que a vida é desprovida de sentido. Também, de forma mais geral (…) negatividade, destrutividade, hostilidade às crenças aceites ou às instituições estabelecidas”.
A questão a se fazer — e a resposta implica um estudo dos últimos 500 anos — é: por que o avanço da ciência ao longo destes séculos coincide com “a denegação da verdade objetiva” nos domínios moral e religioso?
Ninguém escapou do argumento fundamental, que é mais ou menos assim: a ciência trata dos fatos enquanto os “significados” tratam dos valores. Por alguma caraterística evolutiva, uma vez útil, as pessoas querem que as suas vidas “signifiquem” alguma coisa, por isso inventam coletivamente formas de valorizar as coisas para que existam “significados”.
Pode-se usar o beisebol como exemplo. Quanto de beisebol é necessário conhecer para entender a excelência da temporada de 2021 de Shohei Ohtani pelos Los Angeles Angels? A revista Sports Illustrated comparou Ohtani a Babe Ruth e até insinuou que ele poderia ser ainda melhor do que Ruth. Para os fãs de basebol, estas comparações são monumentais. Para os que não conhecem o beisebol (que é obviamente um jogo inventado), a atenção dada a Ohtani pode suscitar um ligeiro interesse, mas não a admiração, não a reverência que ele conquistou, especialmente no Japão.
Assim, o argumento a respeito do “significado” segue: não seria todo “significado” uma mera invenção, da mesma forma como inventa-se a importância de um jogador de beisebol? Por consequência, nada “significa” nada em si mesmo, mas só em termos do seu lugar num sistema de valores construído, e esses sistemas incluem todas as religiões, todas as leis, todas as filosofias. No mundo em si, não existe qualquer significado ou bem objetivo. Somos nós que inventamos todos os sistemas de valores. Estamos apenas a nos iludir de que ser “bom” faz alguma diferença. O niilismo seria, portanto, a melhor solução para a mente que compreendeu que o seu próprio significado é apenas uma invenção.
Por outro lado, se um Deus bom e amoroso deu às suas criaturas um mundo inteligível, e se é necessária toda a capacidade humana para compreender até mesmo a mais pequena parte do que existe, do que nos foi dado, então o beisebol tem um adquire uma perspectiva muito diferente. Ele passa a oferecer uma imitação brilhantemente complexa da ordem incorporada no mundo tal como o experimentamos na realidade. Quanto melhor for a jogada ou o home run, melhor será a analogia. Cada jogo desafiante, cada bom sistema jurídico, cada código moralmente responsável reflete a ordem dada e nos ensina mais sobre ela. Temos razões para nos impressionarmos com a incrível temporada de Shohei Ohtani.
Como a declaração do Dr, Carlson deixa claro, ao Wyoming Catholic College existe para combater o niilismo, abrindo os nossos alunos à sabedoria integral do passado — a grande tradição — e à verdade da natureza diretamente experimentada. Estamos firmemente centrados em Deus, não em abstrações (como se Ele fosse uma ideia organizacional útil, como o Big Brother de Orwell), mas no mundo real, naquilo que Ele revelou sobre a sua ação no tempo e, mais especificamente ainda, na cruz que perfura o centro da história.