O discurso abaixo foi proferido pelo Bispo James D. Conley no Instituto Diocesano de Professores de 2023 a 16 de outubro de 2023. O Instituto reúne cerca de 650 professores de escolas católicas de toda a Diocese de Lincoln do Bispo Conley para um dia de aprendizagem, oração e companheirismo. O discurso completo pode ser assistido através do link: https://youtu.be/AMHX7l5Eku8
Bispo James D. Conley, Institute for Catholic Liberal Education | Tradução: Equipe Instituto Newman
Sejam todos bem-vindos ao nosso Instituto Diocesano de Professores. Esta é a primeira vez que tenho o privilégio de fazer o discurso principal, por isso é uma grande honra para mim. Talvez a razão pela qual vou ser eu a proferir o discurso principal este ano seja porque não conseguiram encontrar mais ninguém, ou porque o Pe. Stoley quis poupar algum dinheiro para o orçamento da educação. Todavia, sinto-me muito humilde por estar perante vós e peço ao Espírito Santo que me ajude a encorajá-los e a inspirá-los com as minhas palavras.
Com efeito, todos os educadores católicos participam diretamente na missão de Jesus Cristo, o Mestre. Certamente, o título mais comum para Jesus no mundo antigo era Rabboni, que significa “mestre” em hebraico. E assim, todos nós aqui hoje, os meus irmãos padres, as nossas queridas irmãs, os professores e administradores, todos dissemos “sim” ao chamamento de Nosso Senhor para participar na sua “missão de ensinar” nas nossas escolas católicas.
E creio que este chamamento, esta vocação para ensinar, é um chamamento profundo. Jesus era simultaneamente professor e curador e, por isso, a Igreja Católica tem estado profundamente envolvida na educação e nos cuidados de saúde — criando escolas e hospitais desde os tempos apostólicos. De tal forma que há poucas profissões hoje em dia que possam afirmar estar tão diretamente ligadas e fundamentadas na missão de Jesus Cristo.
Outrossim, eu estou firmemente convencido de que nos encontramos hoje num momento crucial, um tempo de verdadeira renovação da educação católica. E por isso agradeço-vos por terem respondido a este apelo para serem educadores hoje e por fazerem parte deste momento emocionante da história.
E porque a vocação de professor está tão íntima e misteriosamente ligada à missão divina de Jesus, o mestre, há uma alegria e uma maravilha inerentes ao fato de poder partilhar a missão da educação católica. Por isso, quero centrar as minhas observações desta manhã primeiro na “alegria e maravilha da educação católica” (tanto para o professor como para o aluno, como um empreendimento comum), bem como no “sentido das coisas”.
Reavivar a fé e o aprendizado
Como sabem, estamos nos aproximando da metade de um Reavivamento Eucarístico de três anos, uma iniciativa dos bispos dos Estados Unidos, para reavivar o nosso amor, compreensão e gratidão pelo dom da Sagrada Eucaristia. E para que possamos ver o mundo através de uma verdadeira imaginação sacramental. Assim sendo, este segundo ano do Reavivamento Eucarístico é chamado de fase paroquial. E na próxima primavera culminará numa procissão eucarística nacional que percorrerá o coração da nossa diocese, seguida de um congresso eucarístico nacional em Indianápolis, Indiana, a 17 de julho de 2024. Decerto, espero e rezo para que as escolas católicas da nossa diocese desempenhem um papel importante nesta fase paroquial do Reavivamento Eucarístico.
Antes de tudo, o mistério da Encarnação, o Logos, Jesus Cristo, é a lente através da qual devemos olhar para o mundo e para tudo o que existe no mundo. Como São João Paulo II disse tantas vezes, “Jesus Cristo é a resposta à pergunta que é cada pessoa humana”.
Em primeiro lugar, a Encarnação fundamenta-nos numa verdadeira antropologia cristã e, em seguida, fornece-nos um roteiro claro para a vida. Em suma, é esta a visão do mundo que devemos ter como educadores. Ora, estamos a nos apoiar nos ombros daqueles que nos precederam. Afinal de contas, recebemos uma enorme herança que temos a obrigação de transmitir à geração seguinte. Matthew Arnold, o grande educador do século XIX, disse que o papel da educação é aprender com “o melhor que foi pensado e dito”.
Sem dúvida, ninguém discorda de que vivemos numa era de hiper-informação. De fato temos acesso a mais informação, mais dados e mais conhecimentos do que nunca na história. Além disso, esse enorme fluxo de informação está literalmente na ponta dos nossos dedos. Enfim, nunca antes na história os estudantes puderam acessar todo tipo de conhecimento sobre todos os assuntos possíveis: ciência, história, matemática, física, religião, literatura e teologia, com uma procura tão rápida e quase instantânea. Sem dúvida, as possibilidades são literalmente infinitas.
Os obstáculos da nossa geração
No entanto, ao mesmo tempo, nossos jovens sofrem de ansiedade, depressão e até de ideação suicida a um ritmo alarmante. Num momento em que deveríamos estar celebrando a maravilha deste progresso, a incrível riqueza de avanços tecnológicos e as fascinantes possibilidades para o futuro, estamos, na verdade, preocupados com os resultados dos testes dos estudantes no mundo ocidental que continuam caindo.
Ainda na semana passada, o Lincoln Journal Star noticiou que o departamento de educação de Nebraska divulgou os resultados dos testes ACT — American College Testing, (Avaliação Americana Universitária) — dos alunos de todo o Estado, que medem a preparação para o ensino superior em inglês, leitura, matemática e ciências. Os alunos de Nebraska ficaram abaixo da média nacional em todas essas matérias. Além disso, esse dado faz parte de um relatório nacional mais vasto que revela que as classificações dos alunos do ensino secundário no teste de admissão à faculdade caíram para o seu nível mais baixo em mais de três décadas.
Certamente há muitas razões para este declínio. Não há uma resposta simples. Contudo, estou convencido de que parte da razão deste declínio está no fato de os jovens e os seus professores já não experimentarem mais a alegria e a maravilha de aprender. Ainda mais, e eu diria que a razão para isso é que os alunos já não estão a aprender o significado das coisas. Ou seja, eles não aprendem como tudo se encaixa formando um todo que dá sentido à realidade e, em última análise, dá sentido e propósito às suas vidas.
Como dez mil peças embaralhadas
Ora, me parece que nossos alunos têm em suas mãos um quebra-cabeças de dez mil peças sem a imagem na caixa que lhes mostra como montá-lo. Em síntese, eles perderam a noção do todo ou do fim último do que estão a aprender. Ao passo que cada matéria lhes é ensinada como a sua própria disciplina separada, independente e especializada, desligada das demais e, acima de tudo, sem um princípio integrador. Quando não ensinamos aos jovens o sentido último da realidade e como tudo o que existe no mundo criado aponta, de alguma forma, para o Deus incriado, surpreende-nos que os jovens tenham dificuldade em encontrar um sentido para as suas vidas?
Portanto, só um currículo integrado, interdisciplinar e historicamente alinhado, que procura desenvolver a pessoa na sua totalidade, é um currículo verdadeiramente católico (ou universal) no melhor sentido da palavra.
Diante disso, acredito sinceramente que exista uma correlação entre a desconexão e a desintegração dos conteúdos na aprendizagem e o aumento dos problemas de saúde mental entre os jovens. Afinal, eles estão simplesmente sobrecarregados com o tsunami de informação que lhes chega através de todas as formas de sistema de distribuição, sem a compreensão de um princípio integrador que lhes permita juntar tudo. Além disso, tornaram-se desanimados e apáticos em relação à sua educação, desprovidos da alegria e da maravilha que deveriam existir. A sua educação não lhes ofereceu uma visão da vida que fosse digna do seu desejo. Pediram pão e deram-lhes pedras.
E qual seria o remédio
Em contrapartida, uma educação católica pode e deve oferecer muito mais aos alunos. Pois essa educação nos faz enxergar o mundo através de uma lente sacramental, que consegue ver a ligação entre as coisas, a integração do conhecimento, o significado último, o destino e o objetivo da pessoa humana, e como nos encaixamos no quadro geral. Somos capazes de contemplar a verdade, a bondade e a beleza em todas as coisas e em todos os assuntos.
E quando digo isto, não me refiro simplesmente à necessidade de uma identidade católica nas nossas escolas, por mais importante que seja. Ora, é claro que os uniformes, os crucifixos na parede e o acesso aos sacramentos são extremamente importantes. Entretanto, podemos ter as melhores aulas de religião do mundo e ainda assim perder os alunos se a fé não for “tecida” em todo o currículo. Com efeito, não se pode simplesmente “acrescentar” a fé, como uma disciplina autónoma; deve ser integrada em todas as aulas, disciplinas e actividades da escola.
É por isso que uma educação católica, de um modo único e maravilhoso, pode gerar uma verdadeira alegria e admiração pela aventura da aprendizagem, a aventura da descoberta do “porquê” de tudo. É isso que, em última análise, os jovens desejam. Em outras palavras, eles querem saber porque é que as coisas são o que são. Ora, foi para isso que a alma foi criada: para a verdade, para o bem, para a beleza e para o sentido das coisas. Logo, a educação católica deve, acima de tudo, centrar-se no “sentido” das coisas. Temos que dar aos nossos alunos uma visão da vida.
Na educação católica, deve haver alegria e admiração quando algo de novo é revelado e aprendido, não só no aluno como também no professor. Penso que todos nós já experimentamos esta alegria e este fascínio, quer como alunos quer como professores. A palavra educação vem do verbo latino educare, que significa “trazer para fora” — ex+ducere.
Como formar o intelecto
Santo Tomás de Aquino nos ensina que todo conhecimento começa nos sentidos com o particular e termina no intelecto, no conceito universal. Contudo, não é tão simples assim ligar os pontos. Sabe-se que, entre os sentidos e o intelecto estão a memória, a imaginação e as emoções. De tal forma que a maior parte do nosso trabalho como professores é tentar pôr nossos alunos em contato com a realidade criada, o que significa encher a sua memória e imaginação com coisas baseadas na realidade e ordenar corretamente as suas emoções. Desse modo essas emoções gradativamente se “desenham”. Só então o intelecto é capaz de fazer o seu trabalho adequado de abstração.
Ora, é aqui que a imaginação sacramental desempenha um papel fundamental. Nesse sentido, o Catecismo nos ensina que a definição de Sacramentos com “S” maiúsculo é “sinais eficazes da graça, instituídos por Jesus Cristo e confiados à Igreja, por meio dos quais nos é dispensada a vida divina”.
Como sabem — ou deveriam — os professores primários, esta é uma das noventa e duas perguntas para o Sacramento da Confirmação. Porém, num outro sentido, toda a realidade é um sinal ou um sacramento de algo maior, algo mais misterioso do que ela própria. Toda a realidade é um sinal exterior que traz as impressões digitais do criador e aponta para além de si mesma. Na descoberta da verdade, da bondade e da beleza das coisas, tanto o professor como o aluno partilham juntos a alegria e a admiração pela revelação. De forma que toda a realidade criada revela o criador. Espero que vocês, enquanto educadores, já tenham experimentado essa alegria!
Como passei a conhecer a alegria e a maravilha
É o espanto da maravilha que dá início ao conhecimento — uma espécie de medo reverente que a beleza provoca em nós. Na minha vida, como muitos sabem, só quando entrei para a universidade é que experimentei pela primeira vez a verdadeira alegria e admiração pela aprendizagem. Sem dúvida, até essa altura, a minha educação no ensino básico e secundário era pouco inspiradora. De tal sorte que eu não encontrava verdadeira alegria ou maravilha na aprendizagem. Ora, isto não era inteiramente culpa da escola ou do currículo. Devo confessar que não era um bom aluno quando cresci nos anos 60 e 70 e que não me esforcei muito para aprender durante esses anos.
No entanto, quando cheguei à universidade, inscrevi-me num curso de humanidades no meu primeiro ano e tudo mudou para mim. Ainda no meio do meu primeiro ano, fui batizado e recebido na Igreja Católica. E se tivesse que resumir o que me converteu à Igreja Católica em uma só coisa — além de muita graça — eu diria que foi uma educação em artes liberais baseada nos “grandes clássicos”. Educação que recebi, a propósito, em uma grande universidade pública.
O curso de estudos chamava-se programa integrado de humanidades (Integrated Humanities Program, IHP), e seu lema era “deixem-nos nascer na maravilha”. O IHP, como veio a ser conhecido, era lecionado por três professores notáveis, Dennis Quinn, Franklyn Nelick e John Senior. Estes três professores, que faziam parte da equipa de professores do programa, descobriram, após anos e anos de ensino a nível universitário, que os estudantes universitários modernos tinham perdido o sentido de alegria e maravilha nas suas vidas.
Assim, esses três professores propuseram-se conceber um curso de dois anos para os alunos do primeiro e segundo ano com a intenção de introduzi-los na alegria e na maravilha. Era sua firme convicção que uma verdadeira educação deveria gerar:
“um nascimento do espírito humano, uma entrada num novo mundo que desperta interesse porque é visto à luz da maravilha. A própria paixão do maravilha nasce da consciência da nossa ignorância perante o mistério do ser, e a partir dessa paixão começa a busca da sabedoria ao longo da vida” (Dennis Quinn: Essay on the Muses as Pedagogues of the Liberal Arts).
Não há educação sem imaginação
Nesse sentido, os professores do IHP falavam frequentemente de “educação pelas musas”, em referência aos gregos antigos (as musas eram as deusas inspiradoras da literatura, da ciência e das artes). Por esse motivo, aprender e memorizar poesia era tão importante. Ora, eles acreditavam que “nenhum conhecimento intelectual é possível sem o trabalho prévio da imaginação, e a imaginação não pode trabalhar sem sensações. As musas, portanto, ao causar o deleite e a maravilha, aguçam a imaginação, para ver as coisas mais distintamente”. Com efeito, podemos chamar isso de contato com o que é verdadeiramente real.
É claro que há outras formas de se educar a imaginação, mas certamente os professores do IHP atingiram esse objetivo. Por exemplo, todas as semanas, havia duas palestras de noventa minutos, e cada palestra começava com uma canção. Estas canções eram normalmente baladas tradicionais inglesas ou canções folclóricas americanas. Ao longo de dois anos, os alunos construíram um grande repertório de música, canções que ainda hoje cantamos, cerca de cinquenta anos depois. Canções como “Home on the Range”, “Believe Me, If All Those Endearing Young Charms” e “My Ole Kentucky Home”.
É interessante que a palavra música venha da raiz da palavra que significa silêncio, como em “mudo”, ou “mito”, ou “mistério”. A música é uma espécie de conhecimento pela emoção, um sentimento de simpatia com a coisa em si. Tal como a poesia, a música pode ser uma experiência direta e espontânea de alegria e admiração.
Um dos três professores, John Senior, que mais tarde se tornou meu padrinho, escreveu uma carta em 1969 ao seu querido amigo Ronald McArthur, que se tornou o presidente fundador do Thomas Aquinas College, na Califórnia, na qual dizia estas palavras:
A educação liberal, portanto, começa no maravilhamento e tem como objetivo a sabedoria. Mas a música, no sentido antigo, começa no deleite e termina na maravilha, enquanto a ginástica (no sentido grego da palavra, que significa treino como disciplina mente-corpo) começa na experiência sensível e termina no deleite.
O que Senior queria dizer era que o cultivo da imaginação deve necessariamente preceder o cultivo da razão.
Em outra ocasião, Senior escreveu noutra carta a McArthur: “As sete artes liberais são um exame racional das causas do que a música apresenta, o que é outra forma de dizer que a maravilha é uma condição da ciência”.
A amizade com o mestre
A minha conversão à Igreja Católica, tal como a recordo agora, deu-se principalmente através do amor dos meus professores e da amizade dos meus colegas de turma, unidos ao nosso amor e desejo mútuos pela verdade, pela bondade e pela beleza através da integração do que estudávamos: poesia, história, música, filosofia, teologia, arte, arquitetura e dança. Era isso que os professores queriam dizer quando falavam de “educação pelas musas”.
Quando descobri a verdade, a bondade e a beleza nos grandes livros, “o melhor do que foi pensado e dito”, o meu coração começou a cantar de alegria. Inegavelmente a música e a poesia treinam a memória e dão à alma uma experiência direta da alegria da própria coisa. Posto que foi essa alegria que fez o meu coração cantar. Santo Agostinho disse um dia que só o amante canta. E o amor que descobri através da alegria e da maravilha de aprender fez certamente o meu coração cantar.
Enquanto professores, somos mais do que sistemas de fornecimento de informação. Caso contrário, robôs poderiam fazer o nosso trabalho. De tal sorte que devemos estar empenhados em muito mais do que a transferência de informação. Pois somos chamados a participar da transformação das almas.
Nesse processo de aprendizagem, do deleite à alegria, à maravilha e à sabedoria, o aluno aprende a ordenar as suas emoções. Como resultado ele aprende o que deve amar e o que não deve amar. Aprende o que é bom, verdadeiro e belo e, ao mesmo tempo, aprende o que é mau, falso e feio. Santo Agostinho chama este processo de ordenação das emoções ou paixões, ordo amoris. E todos devem aprender isso, desde a mais tenra idade — ou seja, que são amados e criados bons.
Por certo, o ensino é um tipo de amizade, e uma escola deve ser uma faculdade de amigos; amigos que têm uma vocação em comum e uma missão em comum — a transformação das almas. Isto significa, parece-me, que os professores e os alunos devem reconhecer em conjunto que as realidades que ensinam e aprendem são oferecidas e recebidas através deles próprios numa atmosfera de confiança ou amizade.
Além disso, creio que deve haver uma certa humildade por parte do professor para estar disposto a acompanhar o aluno no seu caminho de aprendizagem, não presidindo a ele como um mestre de uma disciplina, mas caminhando ao lado do aluno numa aventura mútua de alegria e maravilhamento.
Sem o peso da educação moderna
Enfim, a palavra “escola” vem da palavra grega schola, que significa lazer. Logo, sempre que possível, deve haver uma atmosfera de lazer em todas as escolas. No entanto, hoje em dia, é triste que a profissão de professor tenha se tornado muito pesada. Primordialmente, pois o tempo e o trabalho fora da sala de aula que se espera dos professores acaba por esgotar as suas energias criativas, que são tão importantes no ensino.
Em contrapartida, o ensino deveria ser mais parecido com a atividade de amigos que gostam da companhia uns dos outros e que se partilham entre si e com os seus alunos em circunstâncias descontraídas. Por vezes, a aprendizagem mais eficaz ocorre espontaneamente, fora do plano de aulas programado, das fichas de trabalho ou dos pontos de discussão.
A educação é um encontro e um envolvimento com coisas boas, verdadeiras e belas em todas as disciplinas do currículo, no contexto de interacções humanas naturais entre professor e aluno, em prol da felicidade humana. Os alunos descobrem-se mais facilmente quando o professor pode partilhar as suas experiências pessoais de vida. Os professores devem sentir-se confiantes para “se ensinarem a si próprios”. Sei que há filosofias educativas que se opõem a isto, mas a experiência humana prova o contrário.
Newman versus Peel
O grande inglês do século XIX convertido à Igreja Católica, John Henrique Newman, que foi uma grande influência na minha vida, escreveu muito sobre educação e sobre a alegria e a maravilha de aprender.
Num famoso debate que teve lugar através de cartas publicadas no jornal Times of Londres, em 1849, entre Newman e um membro do parlamento britânico, Sir Robert Peel, Newman defendeu que as artes liberais são necessárias para uma cultura saudável, civilizada e feliz. Enquanto Peel defendia um sistema educativo hiper-utilitarista, orientado para as carreiras e pragmático, para alimentar o progresso da revolução industrial em explosão. Em síntese, Peel defendia que as artes liberais já não eram necessárias no mundo moderno e deveriam ser abolidas.
Esta troca de longas cartas entre Peel e Newman no Times acabou por ser publicada como Tamworth Reading Room Letters. O argumento de Newman contra Peel, a favor da preservação do estudo das artes liberais, pode ser resumido da seguinte forma. Newman escreve:
O coração é normalmente atingido, não pela razão, mas pela imaginação, por meio de impressões diretas, pelo testemunho de fatos e acontecimentos, pela história, pela descrição. As pessoas influenciam-nos, as vozes derretem-nos, os olhares subjugam-nos, as ações inflamam-nos. Muitos homens viverão e morrerão sob um dogma: nenhum homem será mártir de uma conclusão.
Basta dizer que Newman ganhou o debate.
Educar para a liberdade
Como mencionei no início, estamos experimentando uma redescoberta das artes e ciências liberais na educação. O termo liberal, evidentemente, vem da palavra latina liber, que significa livre. Portanto, uma educação liberal católica é uma educação para a liberdade. Liberdade para os estudantes viverem suas vidas, tanto quanto possível, na verdade de si mesmos, feitos à imagem e semelhança de Deus. Uma vez que a formação proporcionada por uma educação católica faz muito mais do que preparar um estudante para um emprego. Liberta os estudantes para conhecerem, amarem e viverem plenamente a alegria e a maravilha da vida cristã.
Há vários termos que lhes disse hoje que gostaria de esclarecer, tais como “humanidades integradas”, “educação em artes liberais”, “programa de grandes livros”, e um “currículo integrado, interdisciplinar e historicamente alinhado”. Ora, na verdade, todos esses termos baseiam-se essencialmente na mesma filosofia, um método testado e comprovado instituído pela Igreja Católica quando começou a educação formal para as massas.
Em síntese, todas essas expressões tratam de envolver os alunos num plano de aprendizagem integrado com um objetivo em mente, desenvolver uma pessoa completa e virtuosa. Posto que a renovação que eu imagino vem através do alinhamento intencional das disciplinas para que possam ser inter-relacionadas em conceitos que façam sentido e envolvam o aluno na aprendizagem.
A renovação já é realidade
Já é possível ver isso acontecendo em nossas escolas. Quando os alunos estudam a história e a geografia americanas, visitam o Capitólio, memorizam a constituição, encenam batalhas da Guerra da Independência e aprendem a cantar canções como o Hino de Batalha da República. Assim, estão experimentando um currículo integrado que inclui música, artes e ciências. E tem um objetivo em mente: uma educação holística centrada no envolvimento das suas mentes e das suas almas.
O que mais quero com minha exposição é “libertá-los” para que façam mais coisas desse tipo. E para que organizem e alinhem as disciplinas, para que tenham um foco e possam entrelaçar experiências que “libertem” os alunos para aprenderem no sentido mais profundo.
No início da minha intervenção disse que estamos vivendo uma verdadeira renovação da educação católica nos Estados Unidos. É, de fato, trata-se de um momento emocionante para fazer parte da missão da educação católica. Um desafio, sem dúvida! Mas não há motivo para temer. Fomos feitos para estes tempos!
Permitam-me concluir com algo que ouvi recentemente do meu bom amigo Dale Ahlquist, Presidente da G.K. Chesterton Society e fundador da Chesterton High School Academy. Ele, tal como o próprio G.K., é um homem cheio de alegria e de maravilhamento.
Quando lhe perguntaram: “Por que é que os seus alunos lêem os grandes livros?”, ele deu a seguinte resposta:
Lemos a Ilíada porque nossa vida é uma batalha.
Lemos a Odisseia porque nossa vida é uma viagem.
Lemos o Livro de Job porque nossa vida é um enigma.
Lemos os Contos de Canterbury porque nossa vida é uma peregrinação.
Lemos Dom Quixote porque nossa vida é uma aventura de cavaleiros.
Lemos Shakespeare porque o mundo é um palco.
Lemos Dickens porque nossa vida é uma grande expectativa.
Lemos Dostoievski porque todos nós fazemos parte de uma família, e cada alma é um campo de batalha entre o céu e o inferno.
E lemos Dante porque nossa vida é uma Divina Comédia.
E lemos Chesterton… porque nossa vida é um paradoxo.
Obrigado, e espero que hoje tenham um dia cheio de alegria e de maravilhas!