Nesse artigo da série “in a nutshell” Joseph Pearce nos traz as chaves de leitura da Antígona de Sófocles. Assim como nos poemas de Homero, as peças de Sófocles apresentam dilemas universais da condição humana, o que nos mostra que é possível conciliar a literatura pagã com as verdades do evangelho. Leia o artigo abaixo para conhecer mais sobre esse formidável dramaturgo.
Joseph Pearce, Crisis Magazine | Tradução: Equipe Instituto Newman
O dramaturgo
Sófocles é provavelmente o maior dramaturgo da história da civilização, com a óbvia exceção de Shakespeare. Ele viveu por noventa anos, sua vida se estendeu por quase todo o século V a.C., de 496 a 406. Durante sua longa vida, que parece ter sido passada inteiramente em Atenas, ele testemunhou tanto a ascensão quanto a queda do Império Ateniense, um período de grande agitação social e turbulência política.
Suas obras mais populares são o chamado Ciclo de Édipo, também conhecido como as Três Peças Tebanas: Antígona, Édipo Rei e Édipo em Colono. Há duas maneiras de ler esse ciclo de peças. Pode-se lê-las em sua ordem de composição, conforme listado acima, ou na ordem cronológica da história que contam.
O ciclo de Édipo
Édipo Rei narra a ascensão e a queda de Édipo, rei de Tebas; Édipo em Colono narra a velhice e a morte de Édipo; Antígona conta a história da filha de Édipo, Antígona. A vantagem de lê-las na ordem de composição é que testemunhamos o crescimento da sabedoria do dramaturgo refletido em sua obra. Percebe-se que Antígona é cheia do vigor e da vibração do idealismo político, enquanto Édipo Rei é uma reflexão madura sobre o mistério e o significado do sofrimento, e por fim Édipo em Colono nos leva a uma reflexão sobre o sofrimento em níveis mais profundos de compreensão, respondendo às perguntas que Édipo Rei faz.
Sófocles escreveu Édipo em Colono [sua última obra] quando já era bem velho, porém ela só foi encenada depois de sua morte; a obra reflete a sabedoria dos noventa anos de experiência acumulada e filosoficamente digerida do autor. Por hora, deixaremos Édipo Rei e Édipo em Colono de lado, para resumir Antígona.
Antígona
A peça começa quando a poeira baixa em uma batalha na qual os filhos de Édipo lutam em lados opostos e se matam em combate. Creonte, rei de Tebas, declara que um dos irmãos, Etéocles, deve ser enterrado com todas as honras militares, mas que o outro, Polinices, é um traidor do Estado, e não merece ser dignificado com um enterro. Pelo contrário, deve-se deixar Polinices apodrecer onde caiu, como alimento para os abutres e para os cães selvagens.
Antígona, irmã de ambos os guerreiros mortos, decide dar a seu irmão um enterro religioso digno, desafiando a lei do Estado. A decisão cria um drama no qual são evocados princípios legais e morais atemporais. O Estado tem autoridade para negar a alguém um enterro digno de acordo com os ritos da religião? O poder do Estado está “abaixo de Deus” ou é uma lei em si mesmo? Como as pessoas com fé religiosa devem reagir às leis anti-religiosas? Como o Estado deve lidar com dissidentes religiosos que desobedecem suas leis?
A escolha
Forçada a escolher entre os ritos e preceitos da religião e a lei do país, Antígona escolhe ser obediente aos deuses, desafiando a lei. Sua lógica é teológica, segundo a qual a lei de Creonte que proíbe um enterro religioso para seu irmão é “um ultraje aos deuses”. Vendo a realidade em termos de seu destino eterno, ela teme ofender os deuses mais do que teme o poder do Estado de executá-la por violar suas leis. “Tenho mais tempo para agradar os mortos do que os vivos aqui”, diz ela. “No reino lá embaixo, ficarei deitada para sempre”. Diante da escolha entre obedecer às leis mortais temporais ou às leis eternas, ela proclama que não irá “desonrar as leis que os deuses honram”.
Contra a perspectiva religiosa de Antígona está o secularismo de Creonte, que declara que “quem coloca um amigo acima do bem de seu próprio país não é nada”. Ele crê que o amor à pátria e a obediência ao Estado superam o amor ao próximo.
O povo está mudo
Em meio a essa luta épica entre duas visões de mundo opostas, a religiosa e a secular, o Coro, que representa o povo como um todo, simpatiza com Antígona, mas teme expressar sua discordância diante do poder do Estado. A maioria silenciosa é calada pelo medo. Antígona alerta Creonte que os membros do Coro concordam com ela e iriam aplaudir sua postura “se seus lábios não estivessem selados pelo medo”. É só o medo do Estado tirânico que “mantém a língua do povo na coleira”.
A trama se complica quando descobrimos que Haemon, filho de Creonte, está noivo de Antígona. Haemon tenta argumentar com seu pai, lembrando-o de que “somente os deuses dotam um homem de razão, o melhor de todos os seus dons, um tesouro”. Ele também repete as palavras de Antígona quando diz a Creonte que a maioria silenciosa está do lado dela e que o Coro só permanece calado por medo:
O homem na rua… teme seu olhar,
ele nunca diria algo desagradável em seu rosto.
Mas cabe a mim captar os murmúrios no escuro,
A maneira como a cidade chora por essa jovem garota.
“Nenhuma mulher”, dizem eles, “jamais mereceu menos a morte,
E uma morte tão brutal para uma ação tão gloriosa….
Morte? Ela merece uma coroa de ouro reluzente!”
É o que dizem, e o boato se espalha em segredo,
Darkly….
O rei está cego
Creonte, cego por sua própria arrogância orgulhosa, não está disposto a ver a razão, mesmo quando o profeta cego Tirésias o adverte sobre a terrível punição dos deuses que o aguarda se ele permanecer obstinado em sua guerra contra os direitos religiosos dos vivos e dos mortos. Reiterando o tema dos épicos de Homero, Sófocles nos mostra, nas trágicas consequências da obstinação de Creonte, que o orgulho precede a queda. Essa moral é reforçada de forma inequívoca nas linhas finais da peça, ditas pelo coro:
A sabedoria é, de longe, a maior parte da alegria,
e a reverência aos deuses deve ser protegida.
As palavras poderosas dos orgulhosos são pagas integralmente
com poderosos golpes do destino e, finalmente
esses golpes nos ensinarão sabedoria.
Autor
Joseph Pearce é professor visitante de literatura na Ave Maria University e membro visitante da Thomas More College of Liberal Arts (Merrimack, New Hampshire). Autor de mais de trinta livros, ele é editor da St. Austin Review, editor da série Ignatius Critical Editions, instrutor sênior da Homeschool Connections e colaborador sênior da Imaginative Conservative e da Crisis Magazine. Seu site pessoal é http://www.jpearce.co.